O
desenvolvimento dos primeiros agrupamentos humanos, a maior complexidade de
suas relações e suas crescentes necessidades por serviços comuns de natureza
cada vez mais complexa e de maior magnitude, levaram ao surgimento do Estado, uma
entidade superior capaz de gerir as necessidades comuns de certo grupamento de
pessoas em determinado território, administrando os recursos financeiros
escassos e limitados em face de diversas demandas de sua população, no mais das
vezes cada vez maiores e mais complexas.
No
início, quando o abrigo usado para moradia era adaptado em recursos naturais,
como uma caverna ou debaixo de uma vegetação, a manipulação do fogo significou
expressivo avanço, hoje, ao se falar de conforto um lar, a rede de internet difundida por wi-fi é pensada como item indispensável,
apesar de muitos ainda não terem acesso a tal serviço em nosso país.
Aliás,
em diversos locais de nossa Nação, inexistem serviços de saneamento básico, com
rede de distribuição de água e/ou coleta
de esgotos, que se diga do tratamento deste, precário mesmo em grandes centros
urbanos.
Outro
“tendão de Aquiles” em nossos serviços públicos é a rede de distribuição de
energia elétrica, que ainda não atinge todo nosso Território, vejam bem que
tratamos unicamente do fornecimento de energia, sem focar na questão da
iluminação pública, um outro fator deficitário e cuja ausência contribui para o
aumento da insegurança pública vigente.
Ante
a conhecida e reiterada ineficiência do Estado brasileiro na prestação dos seus
serviços, existente em seus três níveis federativos, tornou-se comum que aqueles
que dispõem de mais recursos financeiros busquem soluções privadas para sanar
as deficiências estatais.
Assim,
desde o nosso nascimento, em hospitais privados custeados por meio de planos de
saúde, passando por nosso crescimento físico e desenvolvimento intelectual,
ocorrido em instituições privadas de educação, sejam creches ou universidades,
até nossa morte, com sepultamento em necrópoles privadas ou por meios de
convênios funerários, despendemos mais recursos, além dos tributos já pagos ao
Estado, para obter serviços que deveriam ser disponibilizados por este.
Atualmente,
merece destaque, também a questão da segurança pública.
Em
meio a uma crise econômica e em decorrência de nossas históricas desigualdades
sociais, agravadas pela atuação irresponsável de diversos administradores
públicos, a criminalidade, organizada em “facções criminosas”, criou entidades
que atuam em paralelo do Estado, vendendo seus “serviços” e “proteção”, por meio
de ameaças à população e disseminação do
medo, nas chamadas milícias, além de praticarem a mais diversa gama de delitos,
como tráfico de drogas, furtos e roubos de veículos e residências e ataques a
caixas bancários eletrônicos.
Em
razão disto, parcela de nossa população, amedrontada pela situação e acuada em
seus lares, entendeu que necessitaria possuir uma arma de fogo em sua residência
ou estabelecimento de trabalho, a fim de se defender da criminalidade, no
exercício, a seu entender, de sua “legítima defesa”.
Mais
uma vez, o que ocorre é a clara ineficiência do Estado Brasileiro, neste caso,
em suprir os serviços de Segurança Pública, que é resolvida por meio de ações
substitutivas da população que tenha condições econômicas para tanto, que, ao
invés de cobrar as necessárias e devidas políticas públicas, prefere buscar
soluções individualistas.
Atendendo
ao anseio desta parcela da sociedade, houve a edição de norma facilitadora da
regularização da posse de arma aos autodenominados “cidadãos de bem”, para que
possam se proteger da “bandidagem”.
Todavia,
há clara desinformação junto à população em geral acerca das conseqüências do efetivo
uso de tais armas, o que eventualmente poderá ocorrer.
Nem
falemos da utilização indevida, fora do ambiente do lar ou neste, decorrente do
despreparo de alguns, mas tratemos de eventual tentativa ou invasão da casa de
um “cidadão de bem” por um “bandido”, com a utilização de uma arma por aquele,
para a defesa de sua família ou de seu patrimônio.
Em
que pese nossa legislação, no Código Penal, haver a figura da legítima defesa
como uma das causas da exclusão de ilicitude, ou seja, não haverá crime, caso o
“cidadão de bem” cause ferimento ou mate alguém, com a utilização de arma de
fogo, não será beneficiado automaticamente por tal dispositivo legal, o qual
somente poderá ser aplicado por Juiz dentro do devido processo legal.
Neste,
inicialmente, poderá ocorrer a prisão em flagrante do “cidadão de bem” que
utilizou da arma de fogo, independente disto, este responderá a processo
criminal para apurar a sua responsabilidade pelo crime cometido, ocasião na
qual poderá utilizar-se da possibilidade de argüir a “legítima defesa” a seu
favor.
Todavia,
para tanto, necessitará da defesa técnica de um advogado, e caso não seja
reconhecido o estado de legítima defesa, ou que houve excesso nesta, o “cidadão
de bem” poderá ser condenado ao cumprimento de pena restritiva de liberdade em
estabelecimento prisional.
Se
tal ocorrência tristemente se der, o “cidadão de bem”, que utilizou de uma arma
de fogo para se defender, se verá segregado do convívio familiar e “jogado”
numa das prisões brasileiras, quando então descobrirá que estas não são os “resorts” que muitos pregam, onde presos
tem habitação e alimentação gratuitas e só dormem ou se divertem.
Descobrirão
que, apesar dos altos gastos do Estado com tais estabelecimentos, em razão dos
recursos desviados, tais ambientes prisionais são hostis e insalubres, com
condições de habitabilidade e saneamento precárias e com uma superpopulação
carcerária, sem qualquer projeto público de recuperação ou ressocialização dos
apenados.
O
“cidadão de bem” que passar por tal experiência não sairá da mesma forma que
entrou, e, muitas vezes, sairá da prisão como o “bandido” que combatia, tudo
fruto da ineficiência do Estado brasileiro.
É
obrigação dos governantes, em todos os seus níveis, projetar e implementar
políticas públicas de segurança, como meio de seus cidadãos sentirem-se protegidos,
e, antes de tudo, desde a infância, disponibilizar a toda a população acesso a
uma educação pública de qualidade e inclusiva.
Antes
da posse de armas nosso povo precisa possuir de livros.