O Mercado Comum do Sul, ou simplesmente Mercosul, em língua portuguesa, foi fundado no ano de 1991, inicialmente por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, visando a integração econômica e aduaneira dos países membros, que foram os signatários do Tratado de Assunção, por meio de um mercado comum.
Sobreveio, em 1994, o Protocolo de Ouro Preto, que foi o instrumento que institucionalizou
o Mercosul, transformando-o numa pessoa jurídica de direito público internacional
e estruturando-o organizacionalmente.
O Mercosul possui determinados órgãos para o desempenho de suas atribuições
institucionais, o Grupo do Mercado Comum, que desempenha funções executivas, a
Comissão de Comércio, que é um órgão de natureza técnica, que acompanha a
implementação dos instrumentos comerciais do grupo e o Conselho do Mercado
Comum, que conduz a política de integração como órgão superior.
Além destes, havia a Comissão Parlamentar Conjunta, que era um órgão representativo
dos parlamentos dos estados parte do Mercosul e reunia parlamentares de cada um
daqueles, escolhidos pelos respectivos poderes legiferantes, buscando a
inserção do legislativo neste processo de integração regional.
No ano de 2005, foi firmado o Protocolo Constitutivo do Parlamento do
Mercosul, na condição agora de se constituir institucionalmente como um órgão de
representação de seus povos, seguindo, durante o ano de 2006, a sua aprovação
pelos legislativos nacionais dos membros, com tal processo culminando em 14 de
dezembro de 2006, com a realização de sessão de constituição do Parlasul, em
Brasília, substituindo a Comissão Parlamentar em definitivo.
Em 2007, realizou-se a sessão de instalação do Parlasul em Montevidéu, no
Uruguai, sua sede oficial, composto, então, por dezoito representantes de cada
parlamento, indicados pelos respectivos poderes legislativos, como
anteriormente.
As deliberações do Parlasul não têm efeito vinculante junto aos países
membros, estando algumas, ainda, sujeitas ao referendo do Conselho do Mercado
Comum, antes de serem submetidas ao processo de internalização.
O ex-Senador Aloízio Mercadante, que presidiu o Parlamento do Mercosul,
ao redigir apresentação de obra sobre este órgão, coloca que o Mercosul é um
desconhecido, mesmo junto aos chamados “formadores de opinião”, mas que o pouco
conhecimento sobre o bloco se amplia a um nada ou quase nada de informações
sobre o Parlasul e suas atribuições, apesar de destacar a importância de ambos
(MAGALHÃES, 2016, p. 21-22).
No processo de consolidação institucional do Parlasul, ainda em 2007, o Paraguai
aprovou legislação estabelecendo a eleição direta de seus dezoito representantes,
os quais passaram a atuar exclusivamente junto ao Parlasul.
Para melhor representação proporcional, em face das diferenças
populacionais, adotou-se em 2009, com base na representação paraguaia, o “critério
de representação cidadão”, também denominado de regra da proporcionalidade
atenuada, através de Acordo Político proposto pelo Parlasul e oficializado por
meio da Decisão nº 28/2010 do Conselho do Mercado Comum - CMC.
Pelo acordado, até a realização pelos países membros de eleições diretas
para o Parlamento do Mercosul, que deveria ocorrer até o ano de 2014, conforme
Decisão nº 18/2011 do CMC, as bancadas parlamentares seriam compostas dos
seguintes números de membros: Argentina 26; Brasil 37, Paraguai 18; Uruguai 18
e Venezuela 23 e, após as eleições diretas, passariam a composição parlamentar
de: Argentina 43; Brasil 75; Paraguai 18; Uruguai 18 e Venezuela 33.
Tal prazo foi prorrogado para o final de 2020, pela Decisão nº 11/2014 do
CMC.
A Argentina regulamentou seu processo eleitoral também em 2014, tendo em
2015 eleito sua nova representação, já ampliada.
Oliveira e Silva (2017, p. 57) descrevem e analisam a opção regulamentar
argentina:
A partir da eleição de 2015, os futuros parlamentares argentinos no Parlasul
serão eleitos utilizando o mesmo sistema eleitoral aplicado para a Câmara dos
Deputados do país: voto em lista fechada de coligações, proporção de
votos/cadeiras utilizando a fórmula D’Hondt, e prévias utilizando o PASO (Primárias
Abertas, Simultâneas e Obrigatórias). A motivação que fez estabelecer essa
eleição direta dos representantes argentinos no Parlasul é ter maior legitimidade,
através do voto direto, bem como dedicação exclusiva ao Parlamento do Mercosul
por parte de cada representante argentino eleito.
No Brasil, houve a apresentação junto ao Congresso Nacional de cinco
projetos visando a regulamentação do pleito direto para o Parlamento do
Mercosul, sendo estes, e os respectivos autores, os que seguem: PL nº 381/2008,
Senadora Marisa Serrano; PL nº 5279/2009, Deputado Carlos Zarattini; PL nº
126/2011, Senador Lindbergh Farias; PL nº 358/2013, Senador Roberto Requião e PL
nº 8755/2017, Deputado Celso Russomano.
Entretanto, até o momento, não houve sequer a apreciação de qualquer um
destes no plenário de uma das casas legislativas brasileiras, estando os três
originados no Senado Federal já arquivados, restando em trâmite, tão somente,
os outros dois propostos junto a Câmara dos Deputados.
Assim, por mais uma vez, por meio da Decisão nº 09/2020 do CMC, o prazo
para a implementação das eleições diretas dos membros do Parlasul foi prorrogado,
agora para o ano de 2030.
Para Leão e Viana (2017, p. 21) o atraso na implementação pelo Brasil das
eleições diretas para o Parlasul decorrem de fatores precipuamente internos,
destacando a existência de divergências nos projetos regulamentadores, diferenças
de visões quanto a política externa dos grupos parlamentares nacionais e
impasses quanto à implementação de uma reforma política em seu todo.
Por outro turno, a falta de prioridade deste tema na agenda parlamentar brasileira
decorre, ainda, do papel secundário desempenhado pelo Parlasul, constituindo-se
em órgão de atribuições notadamente consultivas, havendo uma prevalência das
pautas colocadas pelos órgãos executivos do Mercosul, principalmente as de
caráter econômico e comercial.
Isto decorre do modelo de integração regional adotado, dentro da tradição
latino-americana na qual estamos inseridos, onde prevalecem os regimes
presidencialistas, optou-se por um regime integracionista intergovernamental,
com centralidade de decisões em fóruns constituídos pelos chefes de Estado ou
suas representações, em detrimento do supranacional, onde os membros optam por
renunciar a parcela de sua soberania em prol de órgãos colegiados regionais,
onde há maior semelhança aos tradicionais regimes parlamentares europeus.
Autores como Luciano e Mariano (2012), Leão e Viana (op. cit.) e
Dri e Paiva (2016) mencionam como um dos efeitos da falta de regulamentação das
eleições diretas para o Parlasul pelo Brasil a continuidade de um processo de
déficit democrático, decorrente da ausência de representatividade, pela
continuidade do exercício pelos paramentares de um duplo mandato, regional e
nacional, onde priorizam as pautas internas, vinculadas às suas bases
eleitorais, rendendo-lhes dividendos, e ocorre uma desvalorização da agenda de
integração, que é a pauta do Parlasul, visto que em não sendo eleitos para tal,
estão desobrigados a prestar contas de tal mister internamente, havendo clara
ausência de accountability na sistemática vigente de indicações pelas
nossas casas legislativas de acordo com a proporcionalidade partidária.
Neste ponto, merece destaque a colocação de Mariano e Luciano (op.cit.,
p.50):
Como os tomadores de decisão regionais não são eleitos e nem se submetem
regularmente a controles de outras instâncias institucionais, não há
efetivamente possibilidade de uma contestação real sobre suas ações.
Consequentemente, não há democracia nesse processo decisório.
Também Pasquino (2010, p. 395), ao tratar da realidade europeia antes do
estabelecimento de eleições diretas para o parlamento europeu, com estreita
similitude ao caso em análise:
[...], se as decisões relativas às políticas públicas
forem tomadas em transacções obscuras entre grupos de pressão e decision-makers
não eleitos e não responsáveis, é evidente que não se poderá falar de
procedimentos democráticos, nem mesmo sob uma forma embrionária.
Dentro deste cenário, é importante analisar os dois projetos regulamentadores
do pleito que se encontram em tramitação na Câmara dos Deputados, o PL nº 5279/2009,
de autoria do Deputado Carlos Zarattini, por meio do substitutivo do relator
Deputado Dr. Rosinha, e o PL nº 8755/2017 do Deputado Celso Russomano.
Em comum, os dois projetos preveem a eleição de 75 parlamentares da
representação brasileira, por meio de voto direto, secreto, universal e
obrigatório, vedada a acumulação de mandatos, em eleição com circunscrição
nacional.
O substitutivo ao projeto de 2009, prevê uma eleição proporcional em
listas partidárias pré-ordenadas fechada, com a possibilidade de apresentação
de candidaturas correspondentes a duas vezes o número de vagas, teve seu último
andamento em abril de 2012, estando apto a ser submetido à apreciação pelo
Plenário.
Já o projeto de 2017, prevê uma eleição proporcional em listas
partidárias abertas, podendo os partidos apresentarem até trinta e seis candidatos,
teve seu último andamento em outubro de 2017, com a emissão de parecer
favorável pelo relator junto a Comissão de Relações Exteriores da Câmara.
O ponto nevrálgico de divergência entre as supramencionadas proposituras
é o sistema eleitoral, o que leva os debates a considerarem não tão somente a
questão da eleição para o Parlasul, mas, também, os efeitos que podem advir
desta na esfera interna se houver a opção por modelos diferenciados.
Por
outro turno, a clara lentidão na tramitação das propostas, com longos períodos sem
qualquer andamento, deixa aparente a ausência de prioridade da temática junto
ao legislativo local, demonstrando, mais uma vez, a priorização pelo trato de
temas ligados a políticas internas e locais.
Assim, vemos que o Parlasul foi criado precipuamente para que seja uma
representação dos povos de seus estados, estreitando o relacionamento entre o
Mercosul e as populações, pelo liame que são seus representantes eleitos.
A ausência de eleições diretas, além de subtrair a representatividade do
órgão, impossibilita o controle democrático de sua atuação e impede o alcance
de suas finalidades institucionais.
A implementação do pleito direto, além de despertar um maior interesse e
participação popular nas questões do Mercosul e do Parlasul, propiciarão um
maior equilíbrio entre os poderes em tais instituições, maior controle, e, pelo
prisma da atuação parlamentar, será possibilitada a especialização nas diversas
temáticas envolvidas, com a dedicação exclusiva ao parlamento, com seu funcionamento
de forma integral, ampliando os diálogos, hoje ainda muito centrados nas questões
econômicas, aos campos políticos, sociais e culturais, o que possibilitará a real
integração dos cidadãos representados.
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