quinta-feira, 4 de novembro de 2021

O PARLASUL E AS ELEIÇÕES DIRETAS PARA OS REPRESENTANTES BRASILEIROS.

          O Mercado Comum do Sul, ou simplesmente Mercosul, em língua portuguesa, foi fundado no ano de 1991, inicialmente por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, visando a integração econômica e aduaneira dos países membros, que foram os signatários do Tratado de Assunção, por meio de um mercado comum.

Sobreveio, em 1994, o Protocolo de Ouro Preto, que foi o instrumento que institucionalizou o Mercosul, transformando-o numa pessoa jurídica de direito público internacional e estruturando-o organizacionalmente.

O Mercosul possui determinados órgãos para o desempenho de suas atribuições institucionais, o Grupo do Mercado Comum, que desempenha funções executivas, a Comissão de Comércio, que é um órgão de natureza técnica, que acompanha a implementação dos instrumentos comerciais do grupo e o Conselho do Mercado Comum, que conduz a política de integração como órgão superior.

Além destes, havia a Comissão Parlamentar Conjunta, que era um órgão representativo dos parlamentos dos estados parte do Mercosul e reunia parlamentares de cada um daqueles, escolhidos pelos respectivos poderes legiferantes, buscando a inserção do legislativo neste processo de integração regional.

No ano de 2005, foi firmado o Protocolo Constitutivo do Parlamento do Mercosul, na condição agora de se constituir institucionalmente como um órgão de representação de seus povos, seguindo, durante o ano de 2006, a sua aprovação pelos legislativos nacionais dos membros, com tal processo culminando em 14 de dezembro de 2006, com a realização de sessão de constituição do Parlasul, em Brasília, substituindo a Comissão Parlamentar em definitivo.

Em 2007, realizou-se a sessão de instalação do Parlasul em Montevidéu, no Uruguai, sua sede oficial, composto, então, por dezoito representantes de cada parlamento, indicados pelos respectivos poderes legislativos, como anteriormente.

As deliberações do Parlasul não têm efeito vinculante junto aos países membros, estando algumas, ainda, sujeitas ao referendo do Conselho do Mercado Comum, antes de serem submetidas ao processo de internalização.

O ex-Senador Aloízio Mercadante, que presidiu o Parlamento do Mercosul, ao redigir apresentação de obra sobre este órgão, coloca que o Mercosul é um desconhecido, mesmo junto aos chamados “formadores de opinião”, mas que o pouco conhecimento sobre o bloco se amplia a um nada ou quase nada de informações sobre o Parlasul e suas atribuições, apesar de destacar a importância de ambos (MAGALHÃES, 2016, p. 21-22).

No processo de consolidação institucional do Parlasul, ainda em 2007, o Paraguai aprovou legislação estabelecendo a eleição direta de seus dezoito representantes, os quais passaram a atuar exclusivamente junto ao Parlasul.

Para melhor representação proporcional, em face das diferenças populacionais, adotou-se em 2009, com base na representação paraguaia, o “critério de representação cidadão”, também denominado de regra da proporcionalidade atenuada, através de Acordo Político proposto pelo Parlasul e oficializado por meio da Decisão nº 28/2010 do Conselho do Mercado Comum - CMC.

Pelo acordado, até a realização pelos países membros de eleições diretas para o Parlamento do Mercosul, que deveria ocorrer até o ano de 2014, conforme Decisão nº 18/2011 do CMC, as bancadas parlamentares seriam compostas dos seguintes números de membros: Argentina 26; Brasil 37, Paraguai 18; Uruguai 18 e Venezuela 23 e, após as eleições diretas, passariam a composição parlamentar de: Argentina 43; Brasil 75; Paraguai 18; Uruguai 18 e Venezuela 33.

Tal prazo foi prorrogado para o final de 2020, pela Decisão nº 11/2014 do CMC.

A Argentina regulamentou seu processo eleitoral também em 2014, tendo em 2015 eleito sua nova representação, já ampliada.

Oliveira e Silva (2017, p. 57) descrevem e analisam a opção regulamentar argentina:

A partir da eleição de 2015, os futuros parlamentares argentinos no Parlasul serão eleitos utilizando o mesmo sistema eleitoral aplicado para a Câmara dos Deputados do país: voto em lista fechada de coligações, proporção de votos/cadeiras utilizando a fórmula D’Hondt, e prévias utilizando o PASO (Primárias Abertas, Simultâneas e Obrigatórias). A motivação que fez estabelecer essa eleição direta dos representantes argentinos no Parlasul é ter maior legitimidade, através do voto direto, bem como dedicação exclusiva ao Parlamento do Mercosul por parte de cada representante argentino eleito.

 

No Brasil, houve a apresentação junto ao Congresso Nacional de cinco projetos visando a regulamentação do pleito direto para o Parlamento do Mercosul, sendo estes, e os respectivos autores, os que seguem: PL nº 381/2008, Senadora Marisa Serrano; PL nº 5279/2009, Deputado Carlos Zarattini; PL nº 126/2011, Senador Lindbergh Farias; PL nº 358/2013, Senador Roberto Requião e PL nº 8755/2017, Deputado Celso Russomano.

Entretanto, até o momento, não houve sequer a apreciação de qualquer um destes no plenário de uma das casas legislativas brasileiras, estando os três originados no Senado Federal já arquivados, restando em trâmite, tão somente, os outros dois propostos junto a Câmara dos Deputados.

Assim, por mais uma vez, por meio da Decisão nº 09/2020 do CMC, o prazo para a implementação das eleições diretas dos membros do Parlasul foi prorrogado, agora para o ano de 2030.

Para Leão e Viana (2017, p. 21) o atraso na implementação pelo Brasil das eleições diretas para o Parlasul decorrem de fatores precipuamente internos, destacando a existência de divergências nos projetos regulamentadores, diferenças de visões quanto a política externa dos grupos parlamentares nacionais e impasses quanto à implementação de uma reforma política em seu todo.

Por outro turno, a falta de prioridade deste tema na agenda parlamentar brasileira decorre, ainda, do papel secundário desempenhado pelo Parlasul, constituindo-se em órgão de atribuições notadamente consultivas, havendo uma prevalência das pautas colocadas pelos órgãos executivos do Mercosul, principalmente as de caráter econômico e comercial.

Isto decorre do modelo de integração regional adotado, dentro da tradição latino-americana na qual estamos inseridos, onde prevalecem os regimes presidencialistas, optou-se por um regime integracionista intergovernamental, com centralidade de decisões em fóruns constituídos pelos chefes de Estado ou suas representações, em detrimento do supranacional, onde os membros optam por renunciar a parcela de sua soberania em prol de órgãos colegiados regionais, onde há maior semelhança aos tradicionais regimes parlamentares europeus.

Autores como Luciano e Mariano (2012), Leão e Viana (op. cit.) e Dri e Paiva (2016) mencionam como um dos efeitos da falta de regulamentação das eleições diretas para o Parlasul pelo Brasil a continuidade de um processo de déficit democrático, decorrente da ausência de representatividade, pela continuidade do exercício pelos paramentares de um duplo mandato, regional e nacional, onde priorizam as pautas internas, vinculadas às suas bases eleitorais, rendendo-lhes dividendos, e ocorre uma desvalorização da agenda de integração, que é a pauta do Parlasul, visto que em não sendo eleitos para tal, estão desobrigados a prestar contas de tal mister internamente, havendo clara ausência de accountability na sistemática vigente de indicações pelas nossas casas legislativas de acordo com a proporcionalidade partidária.

Neste ponto, merece destaque a colocação de Mariano e Luciano (op.cit., p.50):

Como os tomadores de decisão regionais não são eleitos e nem se submetem regularmente a controles de outras instâncias institucionais, não há efetivamente possibilidade de uma contestação real sobre suas ações. Consequentemente, não há democracia nesse processo decisório.

 

Também Pasquino (2010, p. 395), ao tratar da realidade europeia antes do estabelecimento de eleições diretas para o parlamento europeu, com estreita similitude ao caso em análise:

[...], se as decisões relativas às políticas públicas forem tomadas em transacções obscuras entre grupos de pressão e decision-makers não eleitos e não responsáveis, é evidente que não se poderá falar de procedimentos democráticos, nem mesmo sob uma forma embrionária.

 

Dentro deste cenário, é importante analisar os dois projetos regulamentadores do pleito que se encontram em tramitação na Câmara dos Deputados, o PL nº 5279/2009, de autoria do Deputado Carlos Zarattini, por meio do substitutivo do relator Deputado Dr. Rosinha, e o PL nº 8755/2017 do Deputado Celso Russomano.

Em comum, os dois projetos preveem a eleição de 75 parlamentares da representação brasileira, por meio de voto direto, secreto, universal e obrigatório, vedada a acumulação de mandatos, em eleição com circunscrição nacional.

O substitutivo ao projeto de 2009, prevê uma eleição proporcional em listas partidárias pré-ordenadas fechada, com a possibilidade de apresentação de candidaturas correspondentes a duas vezes o número de vagas, teve seu último andamento em abril de 2012, estando apto a ser submetido à apreciação pelo Plenário.

Já o projeto de 2017, prevê uma eleição proporcional em listas partidárias abertas, podendo os partidos apresentarem até trinta e seis candidatos, teve seu último andamento em outubro de 2017, com a emissão de parecer favorável pelo relator junto a Comissão de Relações Exteriores da Câmara.

O ponto nevrálgico de divergência entre as supramencionadas proposituras é o sistema eleitoral, o que leva os debates a considerarem não tão somente a questão da eleição para o Parlasul, mas, também, os efeitos que podem advir desta na esfera interna se houver a opção por modelos diferenciados.

   Por outro turno, a clara lentidão na tramitação das propostas, com longos períodos sem qualquer andamento, deixa aparente a ausência de prioridade da temática junto ao legislativo local, demonstrando, mais uma vez, a priorização pelo trato de temas ligados a políticas internas e locais.

Assim, vemos que o Parlasul foi criado precipuamente para que seja uma representação dos povos de seus estados, estreitando o relacionamento entre o Mercosul e as populações, pelo liame que são seus representantes eleitos.

A ausência de eleições diretas, além de subtrair a representatividade do órgão, impossibilita o controle democrático de sua atuação e impede o alcance de suas finalidades institucionais.

A implementação do pleito direto, além de despertar um maior interesse e participação popular nas questões do Mercosul e do Parlasul, propiciarão um maior equilíbrio entre os poderes em tais instituições, maior controle, e, pelo prisma da atuação parlamentar, será possibilitada a especialização nas diversas temáticas envolvidas, com a dedicação exclusiva ao parlamento, com seu funcionamento de forma integral, ampliando os diálogos, hoje ainda muito centrados nas questões econômicas, aos campos políticos, sociais e culturais, o que possibilitará a real integração dos cidadãos representados.




REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

DRI, Clarissa Franzoi; PAIVA, Maria Eduarda. Parlasul, um novo ator no processo decisório do Mercosul? Revista de Sociologia e Política, [S.L.], v. 24, n. 57, p. 31-48, mar. 2016. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/1678-987316245703.

CHAVES, Lucas Augusto Macedo. A doutrina neofuncionalista de integração regional e a necessidade de adoção do mecanismo eletivo direto no âmbito do Parlasul: a teoria de Ernst Haas na consolidação parlamentar supranacional. In: UFRN. Revista FIDES. Natal: UFRN, 2016. p. 207-217. (V. 8, nº 1, jan./jun.). Disponível em: https://www.academia.edu/31495108/A_DOUTRINA_NEOFUNCIONALISTA_DE_INTEGRA%C3%87%C3%83O_REGIONAL_E_A_NECESSIDADE_DE_ADO%C3%87%C3%83O_DO_MECANISMO_ELETIVO_DIRETO_NO_%C3%82MBITO_DO_PARLASUL_A_TEORIA_DE_ERNST_HAAS_NA_CONSOLIDA%C3%87%C3%83O_PARLAMENTAR_SUPRANACIONAL. Acesso em: 26 jun. 2021.

LEÃO, André P. F.; VIANA, João Paulo S. L.. Os entraves da institucionalização do Parlamento do Mercosul sob a perspectiva brasileira. In: DANTAS, Humberto (org.). Cadernos Adenauer XVIII: poder legislativo sob múltiplos olhares. 2. ed. Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, 2017. p. 19-37

MAGALHÃES, Marcos Dantas de Moura. Parlasul: o espaço político da integração. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2016. 212 p. (Edições do Senado Federal, v. 218). Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/584059/001060009_Parlasul.pdf. Acesso em: 15 jun. 2021.

MARIANO, Karina Lilia Pasquariello; LUCIANO, Bruno Theodoro. Implicações nacionais da integração regional: as eleições diretas do parlamento do mercosul. Perspectivas, São Paulo, v. 42, p. 41-77, 2012. Jul./dez. 2012. Disponível em: https://repositorio.unesp.br/handle/11449/124652. Acesso em: 26 jun. 2021.

MONTEVIDÉU. MERCOSUL. Mercosul: página oficial. página oficial. 2021. Design 3Vectores. Disponível em: https://www.mercosur.int/pt-br/. Acesso em: 02 jul. 2021.

PASQUINO, Gianfranco. Curso de Ciência Política. 2. ed. Cascais: Princípia, 2010. 462 p.

SILVA, Matheus Felipe; OLIVEIRA, Antonio Vicente Pessoa de. O sistema eleitoral argentino: das reformas à introdução do voto direto de parlamentares do parlasul. Revista Orbis Latina: racionalidades, desenvolvimento & fronteiras, Foz do Iguaçú, v. 7, n. 1, p. 52-64, 2017. Semestral. Janeiro – Junho de 2017. Disponível em: https://www.academia.edu/35703131/O_SISTEMA_ELEITORAL_ARGENTINO_DAS_REFORMAS_%C3%80_INTRODU%C3%87%C3%83O_DO_VOTO_DIRETO_DE_PARLAMENTARES_DO_PARLASUL_THE_ARGENTINE_ELECTORAL_SYSTEM_FROM_THE_REFORMS_TO_THE_INTRODUCTION_OF_THE_DIRECT_VOTE_OF_PARLASU

quarta-feira, 20 de outubro de 2021

JUSTIÇA ELEITORAL: A IMPORTÂNCIA INSTITUCIONAL DE SEU PAPEL COMO ADMINISTRADORA DO CADASTRO ELEITORAL.

 

A Constituição Federal de 1988, denominada de “Constituição cidadã”, foi editada após longo período de exceção ao regime democrático, tendo sido o momento do redesenho institucional brasileiro.

Demonstrou, assim, relevante preocupação com a garantia dos princípios que a nortearam, in casu, com referência ao processo eleitoral consagrador da democracia participativa, dentre outros, o da igualdade e da liberdade do voto, o da isonomia entre os candidatos postulantes e lisura dos meios empregados.

Neste sentido, o alistamento dos eleitores com a formação do cadastro eleitoral, determinando o corpo de cidadãos devidamente qualificados ao exercício do sufrágio, é tido como um dos primeiros atos do processo que culmina com a proclamação dos eleitos, para posterior diplomação e posse para o exercício dos mandatos eletivos.

Ressaltando a importância do cadastro de eleitores, Alvim (2016, p. 195) afirma que “De sua justa e fiel construção depende a legitimidade de todo o processo eletivo e, portanto, da própria democracia.”

Nesse contexto, a determinação da forma como ocorrerá a governança eleitoral, a qual, segundo Cambaúva (2014), envolve as instituições e normas que regem a disputa nas eleições, terá impacto decisivo nestas.

A governança eleitoral se divide em atividades diversas, também denominadas dimensões ou níveis, quais sejam, rule making, rule application e rule adjudication.

Sinteticamente, a dimensão de rule making refere-se à elaboração das regras incidentes sobre a eleição, já a rule application diz respeito à administração do processo das eleições, com a aplicação daquelas regras e, por fim, a rule adjudication consiste na instância em que serão dirimidos os conflitos entre os atores surgidos durante o processo eleitoral.

Neste quadro, a administração do cadastro eleitoral, bem como o prévio alistamento, encontram-se inseridos na dimensão do rule application.

A importância do alistamento e do cadastro é mencionada por Elkit e Reynolds (2005 apud TAROUCO, 2014, p. 232) como um dos fatores que afetam a atuação dos partidos e, consequentemente, o funcionamento dos sistemas partidários.

De forma mais ampla, Tarouco (op. cit., p. 230) destaca que:

Os chamados EMB – Electoral Management Boards (IDEA, 2005) têm sido estudados especialmente do ponto de vista de sua independência ou autonomia, que por sua vez é tratada como variável independente para explicar desde a qualidade até a estabilidade das novas democracias.

 

No Brasil, ainda no período do Império, onde vigia o voto censitário e era necessária a demonstração da renda mínima exigida por lei, para a realização do alistamento, o cadastro de eleitores era um dos focos de fraudes nas eleições, havendo os chamados “cabalistas”, indivíduos aos quais cabia a atribuição de realizar a inclusão na lista de eleitores dos correligionários de seu chefe, na maior quantidade possível, a fim de obter mais votos, como menciona Carvalho (2016, p.39).

A sobrevinda da República, com sua inspiração positivista, não foi bastante para colocar termo a tais práticas, como deixou claro Assis Brasil (1998, p. 312) em seu texto, considerando um clássico da literatura política brasileira, Manifesto da Aliança Libertadora do Rio Grande do Sul ao país, escrito em 1925, onde escreveu:

Seria quase fazer agravo a esses trinta e tantos, a esses talvez quarenta milhões de habitantes do nosso território-colosso. Provar o que todos vêem, o que todos sentem, o que todos lamentam, isto é, que, sob as leis existentes:

Ninguém tem certeza de ser alistado eleitor;

Ninguém tem certeza de votar, se porventura foi alistado;

Ninguém tem certeza de que lhe contem o voto, se porventura votou;

Ninguém tem certeza de que esse voto, mesmo depois de contado, seja respeitado na apuração da apuração, no chamado terceiro escrutínio, [...]

 

Tendo aderido a Revolução de 1930, Assis Brasil, integrou a comissão responsável pela elaboração do primeiro Código Eleitoral brasileiro, promulgado por meio do Decreto nº 21.076 de 1932, o qual criou a Justiça Eleitoral e lhe atribuiu, dentre outras, a função de administrar e fiscalizar o alistamento e o cadastro eleitoral, sendo composta por juízes profissionais, o que, no dizer de Vale (2014, p. 16), nos legou transformações que são percebidas até os dias atuais, como o sentimento de lisura dos atos.

Tal modelo de governança foi interrompido no período de exceção democrática do Estado Novo, implantado por Getúlio Vargas entre 1937 e 1945, tendo retornado após tal e se mantido até os dias atuais, com algumas modificações, mas que não atingiram a administração do cadastro eleitoral pela Justiça Eleitoral.

Destacamos que, no ano de 1986, após a permissão do voto facultativo aos analfabetos, em 1985, com redemocratização do país, após pouco mais de vinte anos da ditadura cívico-militar implantada em 1964, a Justiça Eleitoral promoveu um recadastramento de todo o eleitorado nacional, com o escopo de erradicar eventuais fraudes no cadastro então existente.

Atualmente, o alistamento eleitoral é realizado nos Cartórios Eleitorais, instalados junto aos municípios brasileiros, mediante prévio agendamento pela internet nos portais da Justiça Eleitoral, ocasião em que o alistando deverá comparecer com a documentação pessoal exigida por lei, para a inserção dos dados necessários ao preenchimento do requerimento de alistamento eleitoral – RAE e coleta dos dados biométricos, compostos da fotografia, assinatura e impressões digitais, os quais serão devidamente armazenados no cadastro eleitoral.



Em razão deste procedimento, a Justiça Eleitoral brasileira passou a contar com o maior banco de dados da população brasileira, com reconhecida qualidade e integridade, tendo, inclusive, a Lei Federal nº 13.444/2017 previsto a utilização de sua base para a implantação da Identificação Civil Nacional – ICN.

Para organizar o cadastro eleitoral visando a votação e combater fraudes, nos 150 dias anteriores à realização das eleições ocorre o fechamento do cadastro eleitoral, período em que não há a possibilidade da realização de novas inscrições ou transferências das já existentes.

Também, para a garantia da higidez do cadastro, foram estatuídos mecanismos manutenção deste, para que a Justiça Eleitoral tenha o controle sobre a correção de seu conteúdo, sendo tais o batimento do cadastro, a correição do cadastro e o procedimento de revisão do eleitorado.

O primeiro procedimento visa a identificação da existência de inscrições eleitorais em duplicidade ou pluralidade, realizado de forma automatizada, previamente a operação de inserção de dados, novos ou alteradores, junto ao cadastro centralizado do Tribunal Superior Eleitoral, gerando, quando da identificação de inconsistências, a abertura de procedimento para a eliminação de inscrições indevidas, presidido pelo Juiz Eleitoral da Zona onde ocorreu a identificação do problema.

A correição de cadastro é procedimento instaurado por determinação do Tribunal Regional Eleitoral para a apuração de fraude no alistamento de eleitores junto a determinada Zona ou município, mediante provocação fundamentada noticiada à Justiça Eleitoral.

Por fim, constatada eventual fraude em decorrência de correição em percentual que possa comprometer a lisura do pleito, deverá o Tribunal Regional determinar a revisão do eleitorado, com o comparecimento pessoal de todos eleitores de determinada circunscrição, para que comprovem documentalmente os requisitos necessários à inscrição eleitoral, notadamente o relativo ao domicílio, que, nesta seara, refere-se a qualquer forma de vínculo com aquela localidade, diferentemente da residência compulsória caracterizadora do domicílio civil.

Sobre a importância destes, destaca Alvim (op. cit., p. 197) que:

Um registro escorreito constitui pressuposto fundamental da lisura de um processo eletivo. Nessa lógica, a segurança do processo democrático demanda a instituição de instrumentos de depuração do cadastro eleitoral, com o objetivo de mantê-lo limpo, isento de fraudes e deturpações. O cadastro eleitoral há de se espelhar, apenas e tão somente, a massa legalmente habilitada à procedimentalização da representação política.

 

Destaca-se que, durante todos os atos relativos ao cadastramento dos eleitores, é possibilitada a fiscalização pelos partidos políticos, bem como ofertada a oportunidade de eventuais impugnações, além do acompanhamento diuturno do Ministério Público Eleitoral, na qualidade de fiscal do cumprimento da lei em todos os atos, em defesa do interesse público primordial envolvido, sempre levados, quando da realização de questionamentos, ao crivo judicial.

Desta forma, em conclusão ao todos exposto, vemos que a opção pela governança eleitoral realizada no Brasil, com a atribuição a Justiça Eleitoral da função administrativa de todo o processo eleitoral, partindo do alistamento até a diplomação dos eleitos, incluindo a administração do cadastro eleitoral, criou um órgão especializado para tanto, com a necessária autonomia e independência, e permitiu a implementação de processos uniformizados e automatizados, gerando transparência e confiabilidade.

Permitiu, também, a implementação de mecanismos de controle aptos ao combate de fraudes, acessíveis aos atores interessados no processo eleitoral, gerando segurança.

Tais resultados aumentam a qualidade da democracia, ao permitir que, já de início, o processo seja implementado com garantias à efetivação da real vontade popular manifestada no pleito em decorrência direta do modelo institucional adotado.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

ALVIM, Frederico Franco. Curso de Direito Eleitoral. 2ª edição. Curitiba: Juruá, 2016.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 05/01/2018.

BRASIL. Código Eleitoral Anotado e Legislação Complementar. 12ª edição. Distrito Federal: Tribunal Superior Eleitoral, 2016. Disponível em: <http://www.tse.jus.br/hotsites/catalogo-publicacoes/pdf/codigo_eleitoral/codigo-eleitoral-anotado-e-legislacao-complementar-12-edicao-atualizado.pdf>. Acesso em: 05/01/2018.

BRASIL, Joaquim Francisco Assis. A democracia representativa na República: antologia. Brasília: Conselho Editorial do Senado Federal, 1998. (Coleção Memória Brasileira). Edição fac-similar.

CAMBAUVA, Daniella Fernandes. Governança eleitoral: um ensaio comparado sobre os modelos brasileiro, boliviano e venezuelano. In: Cadernos Adenauer: Justiça Eleitoral, Rio de Janeiro, v. 1, n. 15, p. 245-260, 2014.

CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. 22. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.

TAROUCO, Gabriela da Silva. Governança eleitoral: modelos institucionais e legitimação. In: Cadernos Adenauer: Justiça Eleitoral, Rio de Janeiro, v. 1, n. 15, p. 229-243, 2014.

VALE, Teresa Cristina de Souza Cardoso. Aspectos históricos da Justiça Eleitoral brasileira. In: Cadernos Adenauer: Justiça Eleitoral, Rio de Janeiro, v. 1, n. 15, p. 11-25, 2014.

VELLOSO, Carlos Mário da Silva; AGRA, Walber de Moura. Elementos de Direito Eleitoral. 3ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012.

 

quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Nossa amizade jamais terminaria por política...

 "Não, não foi  por política! Nossa amizade jamais terminaria por política...


Terminou por outras razões...entre elas, é que não temos mais nada em comum, não partilhamos dos mesmos ideais, ideologias, sonhos e escolhas...


Eu sou Renato Russo, Cazuza, Lulu Santos... você é Amado Batista.


Eu sou dos livros, revistas, jornais, noticiários...você do Fake News.


Eu sou pela democracia... você pela ditadura.


Eu sou pelas diferenças, pela inclusão, pela aceitação...você é excludente.


Eu sou universidade...você é corte de verba.


Eu sou caridade, você  dízimo.


Eu sou  paz... você é teoria de conspiração.


Eu respeito hospitais... você acha normal  uma invasão.


 Eu sou Paulo Freire, eu sou Darcy Ribeiro...você é Olavo de Carvalho.


Eu bato palmas para o filho do porteiro que se forma...você não! 


Eu sou pela  Vacina, SUS e Ciência... você é cloroquina e ivermectina.


Eu sou pelo coletivo, pela justiça social, bolsa, auxílio...você apoia privilegiados.


Eu sou fauna e vida... você é caça.


Eu sou coragem...você covardia.


Eu acredito na moral das fábulas... você acredita em kit gay nas escolas.


Eu acredito no Espírito, em vida além da terra... você é pena de morte.


Eu sou poesia, rima, leveza, feijoada... você é fuzil.


Eu sou mato, bicho, verde, floresta, sombra... você é fogo, trator e tora.


Eu sou cachaça...  você mamadeira de piroca.


Eu sou todas as cores... você tolera  racismo.


Eu sou igualdade, liberdade... você opressão.


Eu sinto muito e tanto, e sofro... você é vida que segue.


Eu sou pelo amor... você fortalece  a homofobia.


Eu sou pela evolução, você retrocesso.


E por fim... nossa amizade acabou porque o Jesus que eu gosto é amor e o seu faz arminha...


Gratidão por ajudar a me conhecer e também a   "reconhecer"..."


*Autor Desconhecido




sexta-feira, 10 de setembro de 2021

O "novo" Bolsonaro.


“Segundo Espinosa, é uma ilusão imaginar que um homem autoritário  poderia se tornar um homem justo se assim o quisesse, como se a passagem da tirania  à justiça   dependesse  de um ato de vontade de tal homem.

É ilusão ainda maior imaginar que quem promove a morte e a ignorância um dia mudará e passará a cultivar a vida e o conhecimento. Esse tipo  de ilusão é comum aos que se colocam  como “neutros” politicamente, além de ser a máscara esperta  dos dissimulados que tiram proveito comercial da ignorância e da necropolítica , porém posam de indignados em “notas de repúdio”  cínicas. 

Essa ilusão psicológica, que se torna trágica no campo da política, nasce da  crença que se alimenta de uma passionalidade emotiva, que abdica de agir e passa a “esperar” que, enfim, o carrasco se tornará um amigo empático ao nosso sofrimento. 

Publicamente,  o carrasco até finge que mudará, mas entre os seus ele ri e zomba enquanto afia seus instrumentos de tortura. Se um homem autoritário , perverso e torturador   não consegue se tornar alguém diferente,  é porque disso ele não é capaz, ou seja, essa incapacidade é uma amostra pública não da  impotência  de sua  vontade, mas da natureza vil de seu caráter, um caráter de torturador sádico. 

Se olharmos para aquilo que ele de fato  é,  e  não com  esperanças cegas  de como ele deveria ser, veremos que o torturador tem uma vontade bem determinada. Determinada não em mudar, e sim  determinada em continuar a  torturar: a nós, aos doentes, a democracia. 

Se um homem alcançou o poder por intermédio do voto não escondendo  de ninguém que é autoritário, genocida, preconceituoso, misógino... é uma ilusão achar que ele mudaria de natureza exatamente quando chega ao poder, como pensavam que  mudaria,  e ainda pensam que  vai mudar , setores da mídia golpista e parte do judiciário que apoiaram e ainda apoiam , por cumplicidade, covardia  ou conveniência,  o genocida. Bastou o genocida escrever ontem, a quatro mãos com o golpista Temer, um bilhete ambíguo se dizendo um arrependido, bastou isso para a bolsa subir e o mercado voltar a estender a mão para o fascismo, sinalizando estar disposto  a pagar qualquer preço que impeça a vitória de um projeto   popular e progressista em  2022.

Segundo Espinosa, a obtenção de  poder nunca tornará um tirano democrata, a não ser em palavras, enquanto ele ganha tempo para melhor planejar na surdina suas vilezas. 



A obtenção de poder tornará esse homem ainda mais despudorado  em ser como ele é , ao mesmo tempo que conseguirá reunir com mais submissão gente ao redor dele, gente que é como ele  , mas que tinha vergonha de assumir sua ignorância e baixeza  em público. 

Por outro lado, isso também deixará mais evidente quem é diferente dele e de seu rebanho lunático , e a eles resistirá - com ideias que nos agenciem  e  gerem ações  firmes.”


 Texto de Elton Luiz Leite de Souza

quinta-feira, 9 de setembro de 2021

CONSERVADORES DESTRUIDORES.

Rui Barbosa dá título a esse artigo riquíssimo de nossa história em que critica o apoio a Floriano Peixoto afirmando não ser e não poder ser ele o destinatário dos votos e intenções da ideia conservadora. 



A transferência ao Marechal Floriano do direito de pensar dos conservadores era um erro para Rui. Neste episódio a crítica é à força do Marechal para conter a Revolução que vinha do Rio Grande do Sul, em 1893. Diz ele em seu libelo: “Conservar não é apoiar os destruidores.

Conservar não é contribuir para a desorganização das instituições.

Conservar não é derramar sangue desumana e inutilmente. 

Conservar não é impelir irmãos contra irmãos. 

Conservar não é levantar ódio entre as províncias federadas. 

Conservar não é oprimir, não é abdicar, não é empobrecer, não é matar. 

A conservação, que pregais, é a do homicídio em massa, é a da ruína geral, é a da miséria, e a do aniquilamento, triste pedestal à imensidade solitária de um crime incomensurável, que se conspira nas trevas, preparando na desordem, obra de sua política, a justificação que a deve coroar. 

A conservação é a paz, é o direito, é a liberdade legal; é a submissão de todos os poderes à carta fundamental de nossa existência regular (...) e indaga Rui: ”E vos sois os conservadores, vós os que emprestais os ombros aos arremessos da demolição sistematizada? Conservadores vós, os colaboradores, os cúmplices, os co-réus da nossa subversão constitucional? Conservadores os que não encontram uma censura para os mais violentos abusos? Os que não tem um tremor d ´alma ante os mais criminosos desregramentos do poder? Os que formam o coro laudatório deste desmantelamento geral da legalidade republicana?”