Ao julgar o Recurso Extraordinário 608588 com repercussão geral (Tema 656), o STF entendeu ser possível as Guardas Municipais realizarem policiamento ostensivo, sendo fixada a seguinte tese:
“É constitucional, no âmbito dos municípios, o exercício de ações de segurança urbana pelas guardas municipais, inclusive o policiamento ostensivo comunitário, respeitadas as atribuições dos demais órgãos de segurança pública previstas no artigo 144 da Constituição Federal e excluída qualquer atividade de polícia judiciária, sendo submetidas ao controle externo da atividade policial pelo Ministério Público, nos termos do artigo 129, inciso 7º, da Constituição Federal.
Conforme o artigo 144, parágrafo 8º, da Constituição Federal, as leis municipais devem observar normas gerais fixadas pelo Congresso Nacional.”
Ato contínuo, Brasil afora, inúmeros prefeitos, numa ação mais de caráter propagandístico do que de efetivamente implantação de uma política pública, correram para transformar as existentes guardas municipais em “polícias municipais”.
Não demorou para que um caso específico fosse judicializado (Processo nº 3002855-27.2025.8.26.0000), tendo o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, liminarmente, suspendido a norma que transformou em Polícia Municipal a guarda do município de Itaquaquecetuba.
Juridicamente, desde a decisão do Supremo, manifestei entendimento de que a leitura de que tal possibilitaria a criação de polícias municipais estava equivocada.
Primeiramente, porque, ao tratar de nosso sistema de segurança pública, a Constituição é clara e expressa ao possibilitar aos municípios a criação tão somente de guardas municipais, com atribuição de proteção de seus bens, serviços e instalações.
Em que pese a lei regulamentadora das guardas municipais (Lei nº 13.022/2014) ter buscado alargar o campo de atuação destas, seu texto mostra que sempre houve a preocupação expressa de vincular tais órgãos às questões atinentes à municipalidade e limitar sua atuação como mero colaborador a atuação dos órgãos aos quais incumbe de forma efetiva a segurança pública.
Entretanto, dentro do atual panorama social, com altos índices de criminalidade, a denominação de tais órgãos, com fins claramente de propaganda, chama a atenção para a questão da capacidade dos municípios abarcarem para si a execução desta política pública de forma efetiva.
Temos que, segundo dados, a maioria dos municípios dependem de repasses de outros entes para obterem suas receitas, sendo que, em quase metade, os repasses representam mais de 90% do orçamento.
Ainda, muitos de nossos municípios possuem renda própria insuficiente até para custear a sua própria burocracia, garantidora de suas autonomia administrativa, como custos com Câmara Municipal e salários dos demais agentes políticos.
Em municípios em melhor situação financeira, os quais são minoria, não se pode falar que haja prestação de serviços públicos de excelência nas áreas sob sua responsabilidade, como saúde básica e educação fundamental, estando tais setores, no mais das vezes, sequer prestando serviços aceitáveis. Isso sem considerar todas as demais áreas sob a atribuição municipal, com destaque para a zeladoria.
Assim, não há razão, tecnicamente, para os entes municipais, que não detém de orçamento suficiente e não conseguem dar conta das políticas públicas sob sua responsabilidade institucional, buscarem avocar para suas atribuições a atuação na área de segurança pública, que não lhes compete.
Tal atuação demanda recursos consideráveis, visto ser necessária a manutenção de recursos humanos, equipamentos, frota, insumos e soluções tecnológicas de alto custo.
A tentativa de alguns administradores de realizar uma ação que tem caráter mais de marketing do que de política pública, poderá se mostrar inefetiva, mas, mais que isso, nociva à sociedade, por tirar recursos já insuficientes de outras áreas, para as quais os municípios deveriam focar sua atuação em favor de seus cidadãos.
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