A decisão proferida
pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI nº
4650, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB,
que entendeu pela inconstitucionalidade das doações de pessoas jurídicas, de
qualquer natureza, para as atividades políticas, seja partidária ou eleitoral,
levou a criação do financiamento coletivo e do Fundo Especial de Financiamento
de Campanha – FEFC, para fomento do custeios das despesas das campanhas
eleitorais, o que significou novas fontes de financiamento destas, sendo que os
recursos deste último tem proveniência, exclusivamente, de dotações do
Orçamento Público da União, pelo que o financiamento público de campanhas
ganhou prevalência em nosso sistema.
A Constituição, ao
tratar dos Partidos Políticos, assegurou sua autonomia para definição de sua
estrutura interna, organização e funcionamento.
Demonstrou, também, relevante
preocupação com a garantia ao processo eleitoral consagrador da democracia
participativa, com os princípios da liberdade do voto e o da igualdade entre os
candidatos postulantes e lisura dos meios empregados.
O financiamento da
atividade político-partidária diz respeito aos recursos, sejam eles financeiros
ou estimáveis em dinheiro, que são utilizados para o custeio das ações
finalísticas dos partidos políticos, notadamente, as campanhas eleitorais,
através das quais estes buscam conquistar e acessar ao poder político para
implementar sua ideologia e projetos.
Mas a distribuição dos
recursos do FEFC, a cargo exclusivo dos partidos, gera a possibilidade de
ocorrência de fatores causadores de distorção dos resultados dos pleitos
eleitorais em razão da criação da nova forma de financiamento, tendo sido
constatada a existência de fenômenos na vida partidária, decorrentes do abuso e
desvio de finalidade da sua autonomia, que acarretam na inobservância dos
princípios constitucionais inerentes ao processo eleitoral, afetando a
igualdade de oportunidades entre candidatos e seu relacionamento com o
eleitorado.
Dentro deste cenário,
Speck (2015, p. 102) destaca que tem atraído mais atenção a debate as questões
de “se dinheiro compra eleições e se doações estão vinculadas a
favorecimentos”.
Inicialmente, este
autor registra que quando a discussão acerca do dinheiro tem relevância é
porque gera distorção, dentro de uma concepção idealista, e sendo esta uma
prática inerente à realidade, sua normatização ocorre somente após a sua
efetivação e surgimento de problemas decorrentes.
Em decorrência disto,
para que se possa discutir uma reforma, se faz necessário o conhecimento das
práticas e regulações anteriores.
Assim, em seu estudo
sobre o tema, após uma digressão histórica, mostrou o contexto que, durante a
reforma de 2015, claramente reativo à ADI proposta pela OAB, gerou o sistema
atual.
Então, apresenta sua
visão de modificação, que envolveria um foco nos objetivos das reformas, mais
que as técnicas de regulação, as quais seriam ferramentas para o alcance
daqueles.
As mencionadas
ferramentas, as quais denomina técnicas de regulação, são divididas em três
grupos, a saber, “medidas restritivas aos fluxos financeiros, subsídios
públicos e provisões de cumprimento das regras” (op.
cit. 2015).
O primeiro grupo englobaria medida de teto e limitação tanto as doações
quanto às despesas realizadas.
Já no segundo grupo considera os subsídios custeados por verbas
públicas, sejam estes diretos ou indiretos, destacando neste campo o horário
eleitoral gratuito. Insere, também, nesta dimensão a forma como ocorre a
distribuição de tais, destacando o viés dúplice da distribuição, primeiro
quanto a forma como é feita entre os partidos e, depois, como estes
redistribuem os recursos auferidos entres suas candidaturas.
Os objetivos principais
da reforma no sistema de financiamento, na sua visão, seriam o fortalecimento
da posição do cidadão, um maior equilíbrio na disputa entre os postulantes e o
combate à corrupção, cotejando-os com as várias ferramentas de regulamentação
normativa, destacando, em suas conclusões, dentre tais, o estabelecimento de
tetos para doações por determinados períodos, financiamento público com base
nos votos válidos dados combinado com a vedação de destinação de recursos
adicionais por parlamentares.
Então, passa as regras
relativas
a transparência e fiscalização, que englobam o registro, prestação de contas e
publicização destas, em clara preocupação com mecanismos de accountability
e compliance partidários.
Fechando o trabalho com
a conclusão de que o modelo atual é deficitário no que se refere à aproximação
dos cidadãos e as greis, sob a ótica do empoderamento daqueles.
Destaca, também, a
necessidade de garantia de maior equilíbrio entre candidatos e partidos, e, ainda,
o combate à corrupção. Para tanto compara os objetivos colimados às ferramentas
de regulação postas, demonstrando a forma como podem ser utilizadas, destacando
que a missão de escolher o modelo a ser implementado e seu escopo é tarefa
do legislador, do cidadão, dos partidos e dos grupos interessados.
Já em Corrêa et al
(2020) a análise da novel situação é feita com o enfoque de se as inovações
significariam mudanças no padrão estratégico das lideranças partidárias na
alocação desses recursos públicos aos seus candidatos a Prefeito nas eleições
de 2020, segundo a hipótese de que “nas eleições anteriores, estabeleceu-se
algum padrão de distribuição dos recursos públicos que, em princípio,
corresponde a uma estratégia bem-sucedida de financiamento de candidaturas”.
Delineando nosso modelo
de financiamento político histórico e atual, analisou a alocação de recursos
públicos nos pleitos municipais de 2012 e 2016.
Após fez um mapeamento
das características que favorecem o recebimento destes pelos candidatos, utilizando
como parâmetros oito variantes, que foram o eleitorado do município,
ser candidato à reeleição, possuir outro cargo eletivo no curso da eleição,
gênero, possuir ensino superior, estar coligado, outras fontes de recursos
recebidos pelo candidato e o valor total do Fundo Partidário distribuído pelo
partido a todos os candidatos
a Prefeito.
A seguir, passou a
testar o retorno eleitoral da estratégia de distribuição dos recursos, para verificar a eficiência na
distribuição em relação às votações obtidas, concluindo, neste item, que em
cenários de maior disputa eleitoral, o maior investimento de recurso
potencializou o resultado obtido.
Assim, om base nas
análises realizadas, as quais se lastrearam nos dados coletados junto ao TSE,
conclui que nem as alterações legislativas e nem o maior volume de dinheiro
alterará a estratégia de distribuição pelos partidos entre seus candidatos, com
consequência de baixa renovação nas lideranças políticas, havendo uma inércia
sistêmica a coibir maiores modificações da elite dirigente, sendo necessário
para alterar esse quadro mudanças legislativas capazes de alterar
institucionalmente os partidos, com democracia interna nestes.
Para Galizia (2016) a
análise da temática relativa ao financiamento político deve ser feita com
parâmetros da liberdade, igualdade, publicidade, normalidade e legitimidade das
eleições e, principalmente, quanto à influência do poder econômico nas eleições
e seus resultados.
Descreve e delimita as
fontes de financiamento, pública, privada ou mista, destacando que a fonte
pública de financiamento possibilita maior equilíbrio entre os players e
possibilita maior controle e transparência, por outro turno poderia causar
dependência dos partidos e oneração aos cofres públicos.
A fonte privada, ao seu
ver, permitiria maior representatividade social, decorrente da participação da
sociedade, ao ser instada a contribuir com a atividade político-partidária,
gerando, todavia, a possibilidade de ingerência do poderio econômico.
Descreve nosso sistema
misto de custeamento político, direto e indireto, destacando que, antes do
julgamento pelo STF da ADI nº 4650, segundo matéria publicada pelo jornal Folha
de São Paulo, em 07 de agosto de 2014, nas eleições presidenciais que se
desenvolviam naquele ano, até aquele momento, os recursos empresariais
representavam 91% do total arrecadado, seguido por 6% de recursos provenientes
de fonte pública do Fundo Partidário e 3% de doações de pessoas físicas, sendo
que somente três empresas, JBS-Friboi, Ambev e a Construtora OAS, respondiam
por doações no montante de 65% do financiamento total das campanhas
presidenciais, ressaltando a desproporção entre as fontes.
Conclui que a simples
proibição ao financiamento de pessoas jurídicas não é garantia de equilíbrio
sem a mudança de outras regras eleitorais, ainda que não relacionadas
diretamente ao tema.
Assim, vemos que, em
que pese os enfoques diferenciados dados ao tema, os autores acórdão no sentido
de que, realisticamente, o modelo de financiamento da atividade política
brasileira tem forte influência nos resultados do pleito, causando, ainda, um
efeito de retroalimentação, pois tais resultados propiciam aos vencedores maior
capacidade econômica nos pleitos que se sucedem, o que ocorre independente da
fonte de financiamento.
Entendem, igualmente,
que se faz necessária uma mudança de regras, visando maior equilíbrio entre os
postulantes, o que deve decorrer de um maior foco na importância da
participação dos cidadãos no processo eleitoral em geral e interna corporis
nos partidos políticos, com a democratização destes em tal dimensão.
Há, também, claro
diagnóstico de que o tema se encontra intrinsecamente ligado à ocorrência de
corrupção no exercício dos mandatos, sendo o combate a esta um dos maiores
focos a ser objetivado em eventual reforma normativa que busque a melhoria do
sistema de financiamento político no Brasil.
Vemos que o aumento do
custeio público da atividade foi uma medida de contingência e reação
legislativa a decisão do Supremo que, de forma abrupta, subverteu um regime que
vigia há anos, mas não foi tomada com a finalidade de mudar o cenário político
que encontrava-se delimitado, pelo contrário, teve o claro fim de proteger o status
quo vigente então.
A frase “la démocratie
n’a pas de prix mais a un coût” (a democracia não tem preço, mas um custo) foi
utilizada como reflexão de abertura do OECD Forum on Financing Democracy and
Averting Plicy Capture, realizado em Paris 2014 (apud Rollo, 2017), e demonstra
a relação intrínseca entre a atividade política e o capital, numa simbiose que,
se não regrada adequadamente, através do delineamento do financiamento da
atividade político-partidária, pode vir a causar desvios sobre a vontade
popular e influir nos resultados obtidos nas urnas, como colocam os trabalhos.
Neste sentido, a
Constituição Federal brasileira fez expressa opção por equilibrar as regras do
financiamento eleitoral, ao dispor sobre a coibição à prática do abuso do poder
econômico, além do poder político e de corrupção ou fraude, buscando meios de
implementar os seus princípios democrático, republicano e da igualdade
política.
Assim, a legislação
ordinária brasileira deve dar adequada complementação aos objetivos da Lei
Maior como forma de consagrar suas diretrizes de forma adequada.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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financiamento público de campanhas: distribuição estratégica de recursos nas
eleições municipais. Cadernos Adenauer: Eleições Municipais e os
desafios de 2020, Rio de Janeiro, v. 2, n. , p. 79-118, 2020. Disponível em: https://www.kas.de/documents/265553/265602/Cadernos+Adenauer+2_2020.pdf/6b1130ee-ab7e-4c3a-23c3-7791b10c1867?version=1.0&t=1592244874993.
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