quinta-feira, 4 de novembro de 2021

O PARLASUL E AS ELEIÇÕES DIRETAS PARA OS REPRESENTANTES BRASILEIROS.

          O Mercado Comum do Sul, ou simplesmente Mercosul, em língua portuguesa, foi fundado no ano de 1991, inicialmente por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, visando a integração econômica e aduaneira dos países membros, que foram os signatários do Tratado de Assunção, por meio de um mercado comum.

Sobreveio, em 1994, o Protocolo de Ouro Preto, que foi o instrumento que institucionalizou o Mercosul, transformando-o numa pessoa jurídica de direito público internacional e estruturando-o organizacionalmente.

O Mercosul possui determinados órgãos para o desempenho de suas atribuições institucionais, o Grupo do Mercado Comum, que desempenha funções executivas, a Comissão de Comércio, que é um órgão de natureza técnica, que acompanha a implementação dos instrumentos comerciais do grupo e o Conselho do Mercado Comum, que conduz a política de integração como órgão superior.

Além destes, havia a Comissão Parlamentar Conjunta, que era um órgão representativo dos parlamentos dos estados parte do Mercosul e reunia parlamentares de cada um daqueles, escolhidos pelos respectivos poderes legiferantes, buscando a inserção do legislativo neste processo de integração regional.

No ano de 2005, foi firmado o Protocolo Constitutivo do Parlamento do Mercosul, na condição agora de se constituir institucionalmente como um órgão de representação de seus povos, seguindo, durante o ano de 2006, a sua aprovação pelos legislativos nacionais dos membros, com tal processo culminando em 14 de dezembro de 2006, com a realização de sessão de constituição do Parlasul, em Brasília, substituindo a Comissão Parlamentar em definitivo.

Em 2007, realizou-se a sessão de instalação do Parlasul em Montevidéu, no Uruguai, sua sede oficial, composto, então, por dezoito representantes de cada parlamento, indicados pelos respectivos poderes legislativos, como anteriormente.

As deliberações do Parlasul não têm efeito vinculante junto aos países membros, estando algumas, ainda, sujeitas ao referendo do Conselho do Mercado Comum, antes de serem submetidas ao processo de internalização.

O ex-Senador Aloízio Mercadante, que presidiu o Parlamento do Mercosul, ao redigir apresentação de obra sobre este órgão, coloca que o Mercosul é um desconhecido, mesmo junto aos chamados “formadores de opinião”, mas que o pouco conhecimento sobre o bloco se amplia a um nada ou quase nada de informações sobre o Parlasul e suas atribuições, apesar de destacar a importância de ambos (MAGALHÃES, 2016, p. 21-22).

No processo de consolidação institucional do Parlasul, ainda em 2007, o Paraguai aprovou legislação estabelecendo a eleição direta de seus dezoito representantes, os quais passaram a atuar exclusivamente junto ao Parlasul.

Para melhor representação proporcional, em face das diferenças populacionais, adotou-se em 2009, com base na representação paraguaia, o “critério de representação cidadão”, também denominado de regra da proporcionalidade atenuada, através de Acordo Político proposto pelo Parlasul e oficializado por meio da Decisão nº 28/2010 do Conselho do Mercado Comum - CMC.

Pelo acordado, até a realização pelos países membros de eleições diretas para o Parlamento do Mercosul, que deveria ocorrer até o ano de 2014, conforme Decisão nº 18/2011 do CMC, as bancadas parlamentares seriam compostas dos seguintes números de membros: Argentina 26; Brasil 37, Paraguai 18; Uruguai 18 e Venezuela 23 e, após as eleições diretas, passariam a composição parlamentar de: Argentina 43; Brasil 75; Paraguai 18; Uruguai 18 e Venezuela 33.

Tal prazo foi prorrogado para o final de 2020, pela Decisão nº 11/2014 do CMC.

A Argentina regulamentou seu processo eleitoral também em 2014, tendo em 2015 eleito sua nova representação, já ampliada.

Oliveira e Silva (2017, p. 57) descrevem e analisam a opção regulamentar argentina:

A partir da eleição de 2015, os futuros parlamentares argentinos no Parlasul serão eleitos utilizando o mesmo sistema eleitoral aplicado para a Câmara dos Deputados do país: voto em lista fechada de coligações, proporção de votos/cadeiras utilizando a fórmula D’Hondt, e prévias utilizando o PASO (Primárias Abertas, Simultâneas e Obrigatórias). A motivação que fez estabelecer essa eleição direta dos representantes argentinos no Parlasul é ter maior legitimidade, através do voto direto, bem como dedicação exclusiva ao Parlamento do Mercosul por parte de cada representante argentino eleito.

 

No Brasil, houve a apresentação junto ao Congresso Nacional de cinco projetos visando a regulamentação do pleito direto para o Parlamento do Mercosul, sendo estes, e os respectivos autores, os que seguem: PL nº 381/2008, Senadora Marisa Serrano; PL nº 5279/2009, Deputado Carlos Zarattini; PL nº 126/2011, Senador Lindbergh Farias; PL nº 358/2013, Senador Roberto Requião e PL nº 8755/2017, Deputado Celso Russomano.

Entretanto, até o momento, não houve sequer a apreciação de qualquer um destes no plenário de uma das casas legislativas brasileiras, estando os três originados no Senado Federal já arquivados, restando em trâmite, tão somente, os outros dois propostos junto a Câmara dos Deputados.

Assim, por mais uma vez, por meio da Decisão nº 09/2020 do CMC, o prazo para a implementação das eleições diretas dos membros do Parlasul foi prorrogado, agora para o ano de 2030.

Para Leão e Viana (2017, p. 21) o atraso na implementação pelo Brasil das eleições diretas para o Parlasul decorrem de fatores precipuamente internos, destacando a existência de divergências nos projetos regulamentadores, diferenças de visões quanto a política externa dos grupos parlamentares nacionais e impasses quanto à implementação de uma reforma política em seu todo.

Por outro turno, a falta de prioridade deste tema na agenda parlamentar brasileira decorre, ainda, do papel secundário desempenhado pelo Parlasul, constituindo-se em órgão de atribuições notadamente consultivas, havendo uma prevalência das pautas colocadas pelos órgãos executivos do Mercosul, principalmente as de caráter econômico e comercial.

Isto decorre do modelo de integração regional adotado, dentro da tradição latino-americana na qual estamos inseridos, onde prevalecem os regimes presidencialistas, optou-se por um regime integracionista intergovernamental, com centralidade de decisões em fóruns constituídos pelos chefes de Estado ou suas representações, em detrimento do supranacional, onde os membros optam por renunciar a parcela de sua soberania em prol de órgãos colegiados regionais, onde há maior semelhança aos tradicionais regimes parlamentares europeus.

Autores como Luciano e Mariano (2012), Leão e Viana (op. cit.) e Dri e Paiva (2016) mencionam como um dos efeitos da falta de regulamentação das eleições diretas para o Parlasul pelo Brasil a continuidade de um processo de déficit democrático, decorrente da ausência de representatividade, pela continuidade do exercício pelos paramentares de um duplo mandato, regional e nacional, onde priorizam as pautas internas, vinculadas às suas bases eleitorais, rendendo-lhes dividendos, e ocorre uma desvalorização da agenda de integração, que é a pauta do Parlasul, visto que em não sendo eleitos para tal, estão desobrigados a prestar contas de tal mister internamente, havendo clara ausência de accountability na sistemática vigente de indicações pelas nossas casas legislativas de acordo com a proporcionalidade partidária.

Neste ponto, merece destaque a colocação de Mariano e Luciano (op.cit., p.50):

Como os tomadores de decisão regionais não são eleitos e nem se submetem regularmente a controles de outras instâncias institucionais, não há efetivamente possibilidade de uma contestação real sobre suas ações. Consequentemente, não há democracia nesse processo decisório.

 

Também Pasquino (2010, p. 395), ao tratar da realidade europeia antes do estabelecimento de eleições diretas para o parlamento europeu, com estreita similitude ao caso em análise:

[...], se as decisões relativas às políticas públicas forem tomadas em transacções obscuras entre grupos de pressão e decision-makers não eleitos e não responsáveis, é evidente que não se poderá falar de procedimentos democráticos, nem mesmo sob uma forma embrionária.

 

Dentro deste cenário, é importante analisar os dois projetos regulamentadores do pleito que se encontram em tramitação na Câmara dos Deputados, o PL nº 5279/2009, de autoria do Deputado Carlos Zarattini, por meio do substitutivo do relator Deputado Dr. Rosinha, e o PL nº 8755/2017 do Deputado Celso Russomano.

Em comum, os dois projetos preveem a eleição de 75 parlamentares da representação brasileira, por meio de voto direto, secreto, universal e obrigatório, vedada a acumulação de mandatos, em eleição com circunscrição nacional.

O substitutivo ao projeto de 2009, prevê uma eleição proporcional em listas partidárias pré-ordenadas fechada, com a possibilidade de apresentação de candidaturas correspondentes a duas vezes o número de vagas, teve seu último andamento em abril de 2012, estando apto a ser submetido à apreciação pelo Plenário.

Já o projeto de 2017, prevê uma eleição proporcional em listas partidárias abertas, podendo os partidos apresentarem até trinta e seis candidatos, teve seu último andamento em outubro de 2017, com a emissão de parecer favorável pelo relator junto a Comissão de Relações Exteriores da Câmara.

O ponto nevrálgico de divergência entre as supramencionadas proposituras é o sistema eleitoral, o que leva os debates a considerarem não tão somente a questão da eleição para o Parlasul, mas, também, os efeitos que podem advir desta na esfera interna se houver a opção por modelos diferenciados.

   Por outro turno, a clara lentidão na tramitação das propostas, com longos períodos sem qualquer andamento, deixa aparente a ausência de prioridade da temática junto ao legislativo local, demonstrando, mais uma vez, a priorização pelo trato de temas ligados a políticas internas e locais.

Assim, vemos que o Parlasul foi criado precipuamente para que seja uma representação dos povos de seus estados, estreitando o relacionamento entre o Mercosul e as populações, pelo liame que são seus representantes eleitos.

A ausência de eleições diretas, além de subtrair a representatividade do órgão, impossibilita o controle democrático de sua atuação e impede o alcance de suas finalidades institucionais.

A implementação do pleito direto, além de despertar um maior interesse e participação popular nas questões do Mercosul e do Parlasul, propiciarão um maior equilíbrio entre os poderes em tais instituições, maior controle, e, pelo prisma da atuação parlamentar, será possibilitada a especialização nas diversas temáticas envolvidas, com a dedicação exclusiva ao parlamento, com seu funcionamento de forma integral, ampliando os diálogos, hoje ainda muito centrados nas questões econômicas, aos campos políticos, sociais e culturais, o que possibilitará a real integração dos cidadãos representados.




REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

DRI, Clarissa Franzoi; PAIVA, Maria Eduarda. Parlasul, um novo ator no processo decisório do Mercosul? Revista de Sociologia e Política, [S.L.], v. 24, n. 57, p. 31-48, mar. 2016. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/1678-987316245703.

CHAVES, Lucas Augusto Macedo. A doutrina neofuncionalista de integração regional e a necessidade de adoção do mecanismo eletivo direto no âmbito do Parlasul: a teoria de Ernst Haas na consolidação parlamentar supranacional. In: UFRN. Revista FIDES. Natal: UFRN, 2016. p. 207-217. (V. 8, nº 1, jan./jun.). Disponível em: https://www.academia.edu/31495108/A_DOUTRINA_NEOFUNCIONALISTA_DE_INTEGRA%C3%87%C3%83O_REGIONAL_E_A_NECESSIDADE_DE_ADO%C3%87%C3%83O_DO_MECANISMO_ELETIVO_DIRETO_NO_%C3%82MBITO_DO_PARLASUL_A_TEORIA_DE_ERNST_HAAS_NA_CONSOLIDA%C3%87%C3%83O_PARLAMENTAR_SUPRANACIONAL. Acesso em: 26 jun. 2021.

LEÃO, André P. F.; VIANA, João Paulo S. L.. Os entraves da institucionalização do Parlamento do Mercosul sob a perspectiva brasileira. In: DANTAS, Humberto (org.). Cadernos Adenauer XVIII: poder legislativo sob múltiplos olhares. 2. ed. Rio de Janeiro: Fundação Konrad Adenauer, 2017. p. 19-37

MAGALHÃES, Marcos Dantas de Moura. Parlasul: o espaço político da integração. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2016. 212 p. (Edições do Senado Federal, v. 218). Disponível em: https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/584059/001060009_Parlasul.pdf. Acesso em: 15 jun. 2021.

MARIANO, Karina Lilia Pasquariello; LUCIANO, Bruno Theodoro. Implicações nacionais da integração regional: as eleições diretas do parlamento do mercosul. Perspectivas, São Paulo, v. 42, p. 41-77, 2012. Jul./dez. 2012. Disponível em: https://repositorio.unesp.br/handle/11449/124652. Acesso em: 26 jun. 2021.

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PASQUINO, Gianfranco. Curso de Ciência Política. 2. ed. Cascais: Princípia, 2010. 462 p.

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