quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Unicórnio




As redes sociais da Direita estão em polvorosa. Muito para além dos robôs e dos mercenários contratados para disseminar mentiras no WhatsApp, por exemplo, existem milhares de grupos de gente ociosa que se obstina em compartilhar inverdades e vultuosas provocações de comportamentos odiosos. As mais frequentes nos últimos dias podem ser agrupadas em dois conjuntos temáticos. Os que difundem o ódio ao Papa, integrante de uma suposta articulação comunista internacional, e os que pinçam nos noticiários informações que comprovariam a deliberada conspiração dos meios de comunicação para prejudicar os Bolsonaros e a maneira de existir em sociedade que eles representam.

A eficiência destes grupos de WhatsApp em conformar um delirante senso-comum impressiona. Não se trata apenas de normalizar aberrações. Antes, configura-se um perverso mecanismo de construção social da realidade, de uma realidade que apenas os iniciados no bolsonarismo conseguem perceber. Isso explicaria, em parte, a impossibilidade de diálogo racional com eles.

Presunçosos, seus aderentes desqualificam todas as tentativas de argumentação em sentido diverso, mesmo quando confrontados pelas evidências.

Há também os prepotentes, de dois tipos. Os que integram a Direita Concursada (dentro dela, os integrantes do aparato repressivo estatal) e os que trafegam no território dos amigos imaginários (nas igrejas e em templos de compartilhamento de espiritualidades) deduzindo do sagrado e de esoterismos diversos e suas forças normativas as certezas de que podem impor aos demais suas íntimas convicções de forma tirânica, imunes à crítica alheia. Em ambos grupos, diferentemente do que ocorre com os presunçosos, seus integrantes exercem algum tipo de poder sobre os demais, seja econômico, seja repressivo, seja religioso.

Presunçosos e prepotentes, ausentes freios democráticos ou focinheiras institucionais a limitar-lhes, cedo se convencem de que são onipotentes quando encontram um líder a quem admiram e com quem se identificam.



E os onipotentes, naturalmente, tudo podem: desde afrontar a Constituição declarando a ilegalidade de greves até agredir diretamente profissionais de imprensa com insinuações de natureza sexual. A realidade mítica em que vivem valida condutas presunçosas, prepotentes e onipotentes que visam, antes de tudo, destruir quem resista ao delírio coletivo em que se inserem.

Seguem o Mito encarnado, desprezam evidências de que o país está sendo destroçado, acreditam na miragem da recuperação econômica, entorpecem-se com as mentiras que compartilham nas redes sociais.

Resulta inútil tentar demonstrar a impossibilidade lógica da existência de amigos imaginários a quem os tem, assim como não adianta esfregar na cara dos bolsonaristas a realidade que eles, acometidos de cegueira córnea, não conseguem ver. Não querem, não precisam e não gostariam de enxergar, convictos em suas presunções, em suas prepotências e em suas inexistentes onipotências. A fé tem disso, integra a dimensão mítica, delirante, lisérgica, que, para quem nela
acredita, deixa de ser mito para se configurar em realidade, tão ou mais real que aquela com a qual nos deparamos ao abrir uma janela ou ao caminhar pelas ruas. O unicórnio existe, qualquer de nós é capaz de descrevê-lo. Existe como mito, é real.



A realidade inventada, construída socialmente por intermédio das redes sociais da Direita, unicórnica, compete com a realidade concreta, áspera, rude, material, histórica em que estamos todos, inclusive eles, imersos. O mito para os bolsonaristas é real e desejado, por identificação narcísica. O real, para nós, é incompatível com o mito e com as atitudes presunçosas, prepotentes e falsamente onipotentes, como a liminar que proíbe a greve dos petroleiros e os ameaça com sanções discipinares, como a agressão injustificada a jornalistas que ousam investigar e descortinar a realidade concreta. Vivenciamos a impossibilidade, temporária por ser histórica, de diálogo e de conexão entre realidades paralelas.

Wilson Ramos Filho (Xixo), doutor em direito, professor na UFPR.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2020

Brasil segue firme rumo a 1500.


No final deste mês de janeiro de 2020, através dos órgãos de comunicação, tornou-se pública a proposta da Presidência da Fundação Nacional do Índio – FUNAI de nomear um téologo e missionário de uma entidade que atua na evangelização de tribos amazônicas para a chefia do setor que cuida dcoordenação de índios isolados e de recente contato.

É fato notório que, desde o Descobrimento do Brasil em 1500, as diversas Nações indígenas aqui existentes sofreram um contínuo genocídio, com o decréscimo incessante de sua população, o que representou a extinção de várias tribos, causados por fatores diversos, como doenças exóticas, violência e desmatamento de suas terras, visando exploração para mineração, extração de madeira e pecuária.



Além destes vetores, sofreram com um contínuo processo de aculturação, vendo-se forçados a incorporarem os hábitos e costumes dos colonizadores, assim como sua fé religiosa.

A criação da FUNAI visou a tutela e defesa da população indígena em face da brutal desproporção de meios que estes detém para manter seu modo de vida, cujo um dos marcos principais é a prática ritualística e religiosa, propiciando a estes as condições necessárias não só a sobrevivência como humanos, mas, principalmente, como nações e raça.

A nomeação pretendida, para órgão que defende a parcela mais sensível e preservada da raça nativa de nossa Nação, não representa um ataque aos índios, mas a todos os brasileiros, por impingir clara infringência aos direitos e garantias fundamentais emanados da Constituição de 1988, a qual reiterou que no Brasil o Estado é laico, o que significa que as crenças religiosas são questão individual e não podem interferir em resoluções governamentais, não podendo este estabelecer qualquer forma de aliança ou cooperação, bem como, de outro viés, perseguição a cultos religiosos, ditando ser inviolável a liberdade de consciência e de crença.


Junta-se a pretendida nomeação a recente declaração do Chefe da Nação no sentido de que 'Cada vez mais, o índio é um ser humano igual a nós', o que deixou clara seu entendimento de que tal raça teria que alterar seu modo de vida para tornar-se “humano”.


Em face dos fatos colocados, devemos externar nossa solidariedade com nossos irmãos da raça indígena e a defesa da manutenção da laicidade do Estado brasileiro, pugnando que as ações tomadas pela FUNAI observem questões técnicas históricas inerentes à preservação da cultura índigena.