quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

BREVE ANÁLISE SOBRE O FINANCIAMENTO POLÍTICO NO BRASIL

 

A decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI nº 4650, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB, que entendeu pela inconstitucionalidade das doações de pessoas jurídicas, de qualquer natureza, para as atividades políticas, seja partidária ou eleitoral, levou a criação do financiamento coletivo e do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC, para fomento do custeios das despesas das campanhas eleitorais, o que significou novas fontes de financiamento destas, sendo que os recursos deste último tem proveniência, exclusivamente, de dotações do Orçamento Público da União, pelo que o financiamento público de campanhas ganhou prevalência em nosso sistema.

A Constituição, ao tratar dos Partidos Políticos, assegurou sua autonomia para definição de sua estrutura interna, organização e funcionamento.

Demonstrou, também, relevante preocupação com a garantia ao processo eleitoral consagrador da democracia participativa, com os princípios da liberdade do voto e o da igualdade entre os candidatos postulantes e lisura dos meios empregados.

O financiamento da atividade político-partidária diz respeito aos recursos, sejam eles financeiros ou estimáveis em dinheiro, que são utilizados para o custeio das ações finalísticas dos partidos políticos, notadamente, as campanhas eleitorais, através das quais estes buscam conquistar e acessar ao poder político para implementar sua ideologia e projetos.

Mas a distribuição dos recursos do FEFC, a cargo exclusivo dos partidos, gera a possibilidade de ocorrência de fatores causadores de distorção dos resultados dos pleitos eleitorais em razão da criação da nova forma de financiamento, tendo sido constatada a existência de fenômenos na vida partidária, decorrentes do abuso e desvio de finalidade da sua autonomia, que acarretam na inobservância dos princípios constitucionais inerentes ao processo eleitoral, afetando a igualdade de oportunidades entre candidatos e seu relacionamento com o eleitorado.

Dentro deste cenário, Speck (2015, p. 102) destaca que tem atraído mais atenção a debate as questões de “se dinheiro compra eleições e se doações estão vinculadas a favorecimentos”.

Inicialmente, este autor registra que quando a discussão acerca do dinheiro tem relevância é porque gera distorção, dentro de uma concepção idealista, e sendo esta uma prática inerente à realidade, sua normatização ocorre somente após a sua efetivação e surgimento de problemas decorrentes.

Em decorrência disto, para que se possa discutir uma reforma, se faz necessário o conhecimento das práticas e regulações anteriores.

Assim, em seu estudo sobre o tema, após uma digressão histórica, mostrou o contexto que, durante a reforma de 2015, claramente reativo à ADI proposta pela OAB, gerou o sistema atual.

Então, apresenta sua visão de modificação, que envolveria um foco nos objetivos das reformas, mais que as técnicas de regulação, as quais seriam ferramentas para o alcance daqueles.

As mencionadas ferramentas, as quais denomina técnicas de regulação, são divididas em três grupos, a saber, “medidas restritivas aos fluxos financeiros, subsídios públicos e provisões de cumprimento das regras” (op. cit. 2015).

O primeiro grupo englobaria medida de teto e limitação tanto as doações quanto às despesas realizadas.

Já no segundo grupo considera os subsídios custeados por verbas públicas, sejam estes diretos ou indiretos, destacando neste campo o horário eleitoral gratuito. Insere, também, nesta dimensão a forma como ocorre a distribuição de tais, destacando o viés dúplice da distribuição, primeiro quanto a forma como é feita entre os partidos e, depois, como estes redistribuem os recursos auferidos entres suas candidaturas.

Os objetivos principais da reforma no sistema de financiamento, na sua visão, seriam o fortalecimento da posição do cidadão, um maior equilíbrio na disputa entre os postulantes e o combate à corrupção, cotejando-os com as várias ferramentas de regulamentação normativa, destacando, em suas conclusões, dentre tais, o estabelecimento de tetos para doações por determinados períodos, financiamento público com base nos votos válidos dados combinado com a vedação de destinação de recursos adicionais por parlamentares.

Então, passa as regras relativas a transparência e fiscalização, que englobam o registro, prestação de contas e publicização destas, em clara preocupação com mecanismos de accountability e compliance partidários.

Fechando o trabalho com a conclusão de que o modelo atual é deficitário no que se refere à aproximação dos cidadãos e as greis, sob a ótica do empoderamento daqueles.

Destaca, também, a necessidade de garantia de maior equilíbrio entre candidatos e partidos, e, ainda, o combate à corrupção. Para tanto compara os objetivos colimados às ferramentas de regulação postas, demonstrando a forma como podem ser utilizadas, destacando que a missão de escolher o modelo a ser implementado e seu escopo é tarefa do legislador, do cidadão, dos partidos e dos grupos interessados.

Já em Corrêa et al (2020) a análise da novel situação é feita com o enfoque de se as inovações significariam mudanças no padrão estratégico das lideranças partidárias na alocação desses recursos públicos aos seus candidatos a Prefeito nas eleições de 2020, segundo a hipótese de que “nas eleições anteriores, estabeleceu-se algum padrão de distribuição dos recursos públicos que, em princípio, corresponde a uma estratégia bem-sucedida de financiamento de candidaturas”.

Delineando nosso modelo de financiamento político histórico e atual, analisou a alocação de recursos públicos nos pleitos municipais de 2012 e 2016.

Após fez um mapeamento das características que favorecem o recebimento destes pelos candidatos, utilizando como parâmetros oito variantes, que foram o eleitorado do município, ser candidato à reeleição, possuir outro cargo eletivo no curso da eleição, gênero, possuir ensino superior, estar coligado, outras fontes de recursos recebidos pelo candidato e o valor total do Fundo Partidário distribuído pelo partido a todos os candidatos a Prefeito.

A seguir, passou a testar o retorno eleitoral da estratégia de distribuição dos recursos, para verificar a eficiência na distribuição em relação às votações obtidas, concluindo, neste item, que em cenários de maior disputa eleitoral, o maior investimento de recurso potencializou o resultado obtido.

Assim, om base nas análises realizadas, as quais se lastrearam nos dados coletados junto ao TSE, conclui que nem as alterações legislativas e nem o maior volume de dinheiro alterará a estratégia de distribuição pelos partidos entre seus candidatos, com consequência de baixa renovação nas lideranças políticas, havendo uma inércia sistêmica a coibir maiores modificações da elite dirigente, sendo necessário para alterar esse quadro mudanças legislativas capazes de alterar institucionalmente os partidos, com democracia interna nestes.

Para Galizia (2016) a análise da temática relativa ao financiamento político deve ser feita com parâmetros da liberdade, igualdade, publicidade, normalidade e legitimidade das eleições e, principalmente, quanto à influência do poder econômico nas eleições e seus resultados.

Descreve e delimita as fontes de financiamento, pública, privada ou mista, destacando que a fonte pública de financiamento possibilita maior equilíbrio entre os players e possibilita maior controle e transparência, por outro turno poderia causar dependência dos partidos e oneração aos cofres públicos.

A fonte privada, ao seu ver, permitiria maior representatividade social, decorrente da participação da sociedade, ao ser instada a contribuir com a atividade político-partidária, gerando, todavia, a possibilidade de ingerência do poderio econômico.

Descreve nosso sistema misto de custeamento político, direto e indireto, destacando que, antes do julgamento pelo STF da ADI nº 4650, segundo matéria publicada pelo jornal Folha de São Paulo, em 07 de agosto de 2014, nas eleições presidenciais que se desenvolviam naquele ano, até aquele momento, os recursos empresariais representavam 91% do total arrecadado, seguido por 6% de recursos provenientes de fonte pública do Fundo Partidário e 3% de doações de pessoas físicas, sendo que somente três empresas, JBS-Friboi, Ambev e a Construtora OAS, respondiam por doações no montante de 65% do financiamento total das campanhas presidenciais, ressaltando a desproporção entre as fontes.

Conclui que a simples proibição ao financiamento de pessoas jurídicas não é garantia de equilíbrio sem a mudança de outras regras eleitorais, ainda que não relacionadas diretamente ao tema.





Assim, vemos que, em que pese os enfoques diferenciados dados ao tema, os autores acórdão no sentido de que, realisticamente, o modelo de financiamento da atividade política brasileira tem forte influência nos resultados do pleito, causando, ainda, um efeito de retroalimentação, pois tais resultados propiciam aos vencedores maior capacidade econômica nos pleitos que se sucedem, o que ocorre independente da fonte de financiamento.

Entendem, igualmente, que se faz necessária uma mudança de regras, visando maior equilíbrio entre os postulantes, o que deve decorrer de um maior foco na importância da participação dos cidadãos no processo eleitoral em geral e interna corporis nos partidos políticos, com a democratização destes em tal dimensão.

Há, também, claro diagnóstico de que o tema se encontra intrinsecamente ligado à ocorrência de corrupção no exercício dos mandatos, sendo o combate a esta um dos maiores focos a ser objetivado em eventual reforma normativa que busque a melhoria do sistema de financiamento político no Brasil.

Vemos que o aumento do custeio público da atividade foi uma medida de contingência e reação legislativa a decisão do Supremo que, de forma abrupta, subverteu um regime que vigia há anos, mas não foi tomada com a finalidade de mudar o cenário político que encontrava-se delimitado, pelo contrário, teve o claro fim de proteger o status quo vigente então.

A frase “la démocratie n’a pas de prix mais a un coût” (a democracia não tem preço, mas um custo) foi utilizada como reflexão de abertura do OECD Forum on Financing Democracy and Averting Plicy Capture, realizado em Paris 2014 (apud Rollo, 2017), e demonstra a relação intrínseca entre a atividade política e o capital, numa simbiose que, se não regrada adequadamente, através do delineamento do financiamento da atividade político-partidária, pode vir a causar desvios sobre a vontade popular e influir nos resultados obtidos nas urnas, como colocam os trabalhos.

Neste sentido, a Constituição Federal brasileira fez expressa opção por equilibrar as regras do financiamento eleitoral, ao dispor sobre a coibição à prática do abuso do poder econômico, além do poder político e de corrupção ou fraude, buscando meios de implementar os seus princípios democrático, republicano e da igualdade política.

Assim, a legislação ordinária brasileira deve dar adequada complementação aos objetivos da Lei Maior como forma de consagrar suas diretrizes de forma adequada.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

CORRÊA, Carolina et al. Legislação eleitoral e financiamento público de campanhas: distribuição estratégica de recursos nas eleições municipais. Cadernos Adenauer: Eleições Municipais e os desafios de 2020, Rio de Janeiro, v. 2, n. , p. 79-118, 2020. Disponível em: https://www.kas.de/documents/265553/265602/Cadernos+Adenauer+2_2020.pdf/6b1130ee-ab7e-4c3a-23c3-7791b10c1867?version=1.0&t=1592244874993. Acesso em: 01 out. 2021.

GALIZIA, Paulo Sérgio Brant de Carvalho. O financiamento de campanhas eleitorais e as doações de pessoas jurídicas, ESCOLA PAULISTA DA MAGISTRATURA. Cadernos Jurídicos – Direito Eleitoral. Ano 17, número 42, Janeiro/Março 2016. páginas 17/24. São Paulo: EPM, 2016.

GUNDIM, Wagner Wilson Deiró; LORENCINI, Bruno César. A evolução do financiamento eleitoral no Brasil. Revista da AGU, Brasília, v. 20, n. 4, p. 71-100, 2021. Trimestral. Out./dez. 2021. Disponível em: https://seer.agu.gov.br/index.php/AGU/article/view/2743. Acesso em: 01 out. 2021.

ROLLO, Alberto Luiz e outros. “Financiamento de Campanhas Eleitorais e Partidos Políticos”, in CAGGIANO, Monica Herman S. (organizadora). Reforma Política – Um Mito Inacabado. Barureri: Manole, 2017.

SPECK. Bruno W. Pensando a reforma do sistema de financiamento da política no Brasil. REVISTA PARLAMENTO & SOCIEDADE, São Paulo. v. 3, n. 4, p. 75-98, 2015. Semestral. Jan./jun. 2015. Disponível em: https://www.saopaulo.sp.leg.br/escoladoparlamento/wp-content/uploads/sites/5/2015/05/REVISTA_PARLAMENTO_SOCIEDADE_v3n4.pdf . Acesso em: 20.set. 2021.

ZOVATTO, Daniel. Financiamento dos partidos e campanhas eleitorais na América Latina: uma análise comparada. Opinião Pública, Campinas, v. 11, n. 2, p. 287-336, out. 2005. Disponível em: https://www.scielo.br/j/op/a/LCZbd6MjbsctTPcmmKkJsSc/?lang=pt&format=pdf. Acesso em: 01 out. 2021.

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